Sobre a expressão “teórico da conspiração”
13 de novembro de 2024
Pedro Araújo
O teórico da conspiração é o indivíduo que não admite que a veracidade de alguns acontecimentos seja uma tal e não outra, a qual, por si mesma, deve permanecer possível enquanto mera possibilidade. Em suma, é o indivíduo que tem uma opinião somente.[I] Nem todas as opiniões são prováveis; muitas delas são meramente esdrúxulas, afinal. Como a de que extraterrestres, ao invés de Adão, enquanto certo princípio – outra hipótese tomada como estapafúrdia por muitos – deram o primeiro peteleco para o início do processo de formação cósmica do – outra hipótese, por que tomada como certa? – Big Bang. Há diversidade imensa entre tomar algo enquanto certo e a realização do ato identificatório pelo qual qualquer coisa — a situação hipotética! em sua comprobabilidade — se mostra, em evidência de carne e osso, a este ou àquele indivíduo.
Isso para dizer que, quanto mais o homem for justo com a sua racionalidade, mais ele não é veloz em fazer afirmações porque outros a fizeram, ainda que estes outros sejam “professores” e, o que é infinitamente pior, meros jornalistas. Ocorre que a atribuição de teorias de conspirações a indivíduos se deve, na totalidade dos casos, a um pavor pânico de que se pense, finalmente, com a própria cabeça.
A expressão “pensar com a própria cabeça” é o que Husserl intencionava que se fizesse com a sua metódica fenomenológica. É isso, precisamente, o que significa a exigência de método de realização de uma epoché fenomenológica: a suspensão do juízo.
Por que, pergunto-me, tantas pessoas têm tanta pressa na realização do julgamento, quando sabem, a par do grupo a que pertençam, que as suas opiniões e rolos de papel higiênico, no fundo, e à última análise, são exatamente nada?
Porque, simplesmente, não querem se dar o trabalho de realizar um mínimo de questionamento – atividade humana por excelência – acerca de suas próprias consciências e da maré de atos de crença que as afoga, em opiniões fortuitas e sem coerência interna, num tsunami macabro.
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A “opinião verdadeira” é toda asserção que, por princípio, pode verificar-se por aquele ato, acima referido, de identificação. Tenho uma opinião verdadeira de que agora escrevo, de que elaboro, em imaginação, as frases seguintes a porem-se no papel, de que “não está chovendo, mas em breve estará” etc. A consciência é este estado de lucidez elevado a cristalinidade de seus atos de consciência. Estes atos são, a um tempo só, expressivos e expressáveis: mesmo a surda corrente de consciência da totalidade dos fluxos vitais que a constitui, como agora mesmo faço, pode referir-se por um símbolo, por uma expressão, por um termo, como este “corrente de consciência da totalidade dos fluxos vitais”. Isso para dizer que tenho uma opinião verdadeira de que tal coisa existe.
O “teórico da conspiração”, se este termo tem qualquer conteúdo objetivo, que não se refira a meras indisposições subjetivas de quem – que pena! – não concorda comigo no que afirma, ensina, e diz, seria o indivíduo que, por definição, somente admite opiniões não tão só improváveis, mas, numa palavra, ridículas.
Perceba que o sentimento subjetivo de “irrisão” está, de fato, numa outra esfera de atos de consciência: a de prazer e a de desprazer; coisas com as quais uma asserção teórica nada tem que fazer. Sinteticamente, quando sinto “piedade” por alguém ou “maravilhamento” por algum fenômeno natural, por esses atos mesmos, nada se “conhece, objetivamente”, da coisa da qual se tem piedade ou maravilhamento.
Perceba que, na atividade científica, não há possibilidade de que opiniões sejam ridículas, se o fim a que servem, em sendo hipóteses quaisquer, possa verificar-se por determinado ato de identificação de comprovação hipotética, mais ou menos parcial, mais ou menos total.
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Um exemplo faz ver melhor o que digo. A expressão “teoria da gravitação universal” pôde ter sido objeto de irrisão e, na melhor das possibilidades, de maravilhamento. Mas nem um nem outro desses sentimentos – sentimentos não são para isso – permitem qualquer verificação do que está em questionamento. O ato de irrisão é muito pouco, o de maravilhamento é demasiado: a consciência científica está, a um tempo só, no entremeio entre coisa e outra.
NOTAS
[I] Tomo o termo “opinião” em geral, posto que uma “opinião verdadeira” consiste num ato de conhecimento, empírico quanto queira, mas de conhecimento.