Pedro Araújo
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O ser como posição de algo na existência ou uma sua determinação “em si”

16 de novembro de 2024

Pedro Araújo



“O ser não é predicado real algum, mas somente certa posição de alguma coisa na existência, ou uma sua determinação em si”

Esta sentença é muito nebulosa. Kant emitiu-a; e toda a boa tradição fenomenológica aceitou-a. Tomistas como Jacques Maritain e Joseph Maréchal, expunham-na em seus tratados de teoria do conhecimento. E Étienne Gilson pressupõem-na, dentre outras obras, em “Le problème de l’être et les philosophes”. Dá o que pensar; e é isso suficiente.

O indivíduo tem o poder de “pôr”, com o seu entendimento, alguma coisa na existência, de sorte que, desta coisa, constata uma sua determinação. Toda a obscuridade da frase reside justamente nisto: que uma determinação não é, por definição, o ser de qualquer coisa. Diz-se que fulano é enfadonho. Aparentemente, estaríamos, ao dizê-lo, alcançando, por essa afirmação, que é uma proposição, o “ser” desse mesmo fulano.

Ora, as coisas não ficam melhores se Maréchal sustenta que à inteligência é característico um, como ele o chama, “absoluto metafísico” pelo ato de julgamento. Pois o que está em questionamento é justamente esse mesmíssimo ato e o que, note bem, ele não alcança como um absoluto qualquer, isto é, o próprio ser, como um momento real do que se afirma, numa proposição. Porque, inversamente, poder-se-ia, e dever-se-ia, retomar a posição de partida: não é do “ser da inteligência” qualquer relação com um “absoluto metafísico”, mediante um ato de julgamento.

Certamente, tais conclusões não levam e não podem levar a um “ceticismo”, seja de que sorte for. É, também certamente, muito pouco para as pretensões teóricas de Maréchal se se reconhecesse que, ao ato judicatório, apenas lhe pertence um humilde posicionamento de alguma coisa na existência, ou uma constatação mera de uma determinação da coisa “em si”.

Eu, porém, entendo a sentença da seguinte forma: que, ao contrário do que cria Maréchal, sendo mais próximo, nesta questão, a Husserl, que toda relação da inteligência com o ser se deve a um universo de idealidade – que é todo conceitual – que está implícito em todo ato humano, já a um patamar, em absoluto, pré-judicativo. É daqui, justamente, que o fenomenólogo irá desenvolver a sua teoria tão importante de “intuição categorial”, exposta na 6.ª investigação lógica e que causou um influxo decisivo no futuro do método fenomenológico.

Suponhamos que seja do “ser” da “inteligência” uma “relação com o absoluto metafísico”. Que se nota por aí? Uma tão somente “determinação” sua, porquanto não o seu ser, absolutamente, o qual se significa, porém, por isso, como um momento que não é real, realmente. A afirmação “somos inteligentes” apresenta o mesmo problema, mas a que assinto não enquanto problema, porém como uma verdade “necessária”.

Tanto estou certo na minha interpretação que em toda elaboração de definições — entes ideais por excelência — o ser nelas está somente como um momento ideal, e não real, desses todos proposicionais. Logo, sem idealidade, não há relação possível do homem para com o ser das coisas.

De fato, na mais banal das realidades, constatamos “cadeiras amarelas”, e não o ser do colorido enquanto tal.