Pedro Araújo
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Que seriam “fake news” e “discurso de ódio”?

07 de novembro de 2024

Pedro Araújo


Nomeá-los como “crime” não é, vê-se de imediato, defini-los. Não se define o gato ao chamá-lo de “animal”, nem com isso uma jararaca se compreenderia no que ela possa ser nela mesma, e não enquanto só um “animal”.

Que seria feito do veneno característico que a distingue da mera força centrípeta de algum torrão de areia que se repuxa ao centro deste planeta?

A definição é, de fato, o centro da coisa; a direção para a qual, quando se dialoga e argumenta sobre ela, se olha.

O enquadramento legal de algo como “crime” é somente uma designação de cachorros, gatos e jararacas enquanto “animais”. Há tudo o que não é crime e há tudo o que não é animal para além dessas coisas.

O que é equivalente a dizer que há o “não criminoso” e há o “não animalesco”, se o uso metafórico da linguagem se fundamenta, o que se pode demonstrar, num tanto de seu apego a expressar a realidade a que se aponta por ela.

“A divulgação de notícias falsas”: não há quem não aceite que tal seria a definição do que seriam “fake news”.

Mas nem a todos seria plano se se acrescentasse ao conjunto de palavras utilizado o termo “inteligência” para exercer a função gramatical de certo “dativo de interesse”.

Não há notícias falsas ou verdadeiras a não ser que o sejam para a inteligência.

A situação objetiva complexifica-se muito com esse acréscimo.

Petulante e sofisticamente, há a classe dos inteligentes, dos não criminosos e dos não animalescos: quem o são?

Por princípio, os jornalistas. A ação mecânica e pueril, em muitos aspectos, de soltar notícias diárias sobre irrelevâncias, define um homem pelo “crime” que poderia ou não poderia ter cometido.

Individuum ineffabile est. Também é indizível a puerilidade de toda uma Corte Superior a quem uma palavra como “fake news” passou a ser objeto de atenção.

Com efeito, não seria próprio, o seu centro, e talvez até o mais próprio, à inteligência, a sua gravidade, o desconhecimento ou o perquirir, na dúvida, o que a motiva a isso.

“A divulgação de notícias falsas”: é a definição aceita sem o dativo de interesse, pois utilizamos a palavra “jornalistas” há pouco.

No jornalismo moderno, na divisão social do trabalho, os seus gramáticos são umas teteias. Que pode a burrice gramatical contra o animalismo humano?

Erros cometem-se, diz a inteligência para si mesma.

Perguntas realizam-se, constata o entendimento em seu estado vivo.

É para notar que a ação de notificar aos outros dos que não podem não errar e nem perquirir, por inteligentes maximamente, faz deles outros deuses.

De tudo sabem sapientemente: garante-se, de antemão, a virtude excelsa pelo ser empregado de uma joint venture jornalística.

É-se deus por noticiar algo de algo a outros. Na boa-nova hodierna, além de donos dos únicos intelectos penetrantes, incendeia-lhes o imo peito o fogo do amor.

O discurso é vero e é caritativo.

Dizia Jacob Burckhardt, em seu livro autobiográfico, “Reflexões sobre a História”, que é, de certa forma, uma teoria do conhecimento historiográfico, não de espécie pura, uma vez que vazada mediante prenúncios prudenciais, que, entre o Estado e a Cultura, cabe a esta o espaço da liberdade, e não também à Religião.

O que é referir-se ao problema exato da autoridade de um jornalismo, que, já em seu tempo, estava ao serviço da força estatal.

Por isso, onde estaria um “discurso de ódio”?

Numa obra de arte, passe. Em Shakespeare, em “Macbeth”? Um personagem mau poderia falá-lo, se isso fosse a maldade humana.

Perceba-se, por fim, que há vários pressupostos culturais no uso da linguagem que, no reino do pau e cacete da política religiosa que se tem visto à luz do dia, não se analisam e nem se podem analisar.

Quer-se a perseguição voraz dos que flanqueiam a franqueza da inteligência, em seu ato.

Os homens falam com as palavras; Deus fala com as palavras e as coisas; e a joint venture fala com as palavras enquanto coisas verdadeiras. É um fruto da queda, como se sabe.

Pois a atribuição de certo poder encantatório a elas é fetichismo filosófico.

Todavia, ser mais do que Deus é pouquíssimo. Assim se verá.

Referi em um texto anterior que à situação política atual o uso de superlativos é superlativamente deficiente.

Porque às palavras tomando o lugar de e sendo mesmo as coisas verdadeiras se adiciona a necessidade, ademais, de que o oposto recaia sob o quadro jurídico penal, pela razão por que se consideram ambos pelo abracadabra mágico, explicável pela cotação atual do dólar.

Então, numa tese interpretativa, poderíamos dizer: “Os mais do que os homens, e os mais do que Deus, definem a realidade de que, a tantas palavras ou expressões, se conjunja o maravilhoso a esconjurar-se, porém não podia deixar de sê-lo, pela autoridade do Estado”. Pela ditadura, simplesmente.