Pedro Araújo
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Inter pocula: A política nacional

07 de novembro de 2024

Pedro Araújo


A TV Justiça acabe. Assim como é princípio jornalístico que não se citem mais os nomes dos psicopatas norte-americanos, deveria haver algo de semelhante para tratar da exposição aloprada que juízes têm recebido na sociedade brasileira. Por princípio ontológico, os fatos jurídicos referem-se sempre ao passado, e o jornalismo, que é o mestre do presente, no melhor dos casos, atual tem feito de meros burocratas da classe jurídica o eterno presente de dor e lamentação.

— Em suma:

O passado é um dos princípios da heurística jurídica; ao passo que o presente vê-se sob a idealidade da lei formal; ao contrário, o passado e o próprio presente fazem parte da heurística jornalística, posto que, num juízo como este, “Brasil é campeão mundial”, narra-se a um fato como em um livro de história, sem a legalidade pressuposta em todo juízo jurídico, no qual livro as orações da língua se fazem se encaminhando do passado ao presente, que se narra — como no “past continuous” inglês. Essa narração não possui a legalidade pressuposta em todo juízo jurídico. Que é esta legalidade?

“Estás condenado” é a sentença, que se motiva pelas leis. A razão pela qual a lei atribui-se requer tanto a decorrência das ações passadas, reais ou só possivelmente ocorridas, quanto a legalidade acima apontada.

Nenhuma “razão” é algo que se toca com as mãos. É um artifício ou um artefato, quando bem construída, do raciocínio. Ela não é o complexo de sensações do soco recebido, e nem o prazer educativo que se tem ao se ler um bom livro. Este prazer e aquela dor são imediatos.

Porque é da política real ser a desordem que é o conflito entre duas ordens, é de seu princípio heurístico não tanto o passado, ordem antiga já superada, nem tanto o presente, a desordem a declarar-se em um “plano de governo”, mas o futuro que este conjunto de asserções desse plano de governo intenciona significar.

A popularidade de um político, tal o Bolsonaro, leva, por si mesma, ao futuro que se manifesta na agenda a que se tem seguido, na medida das possibilidades de sua concretização, conhecidas, em geral e ad extra, pelo seu respectivo plano de governo .

Mais se reconfirma a análise com as paixões humanas características da política: a confiança, a esperança ou o interesse e a admiração. Diferentemente da dor ou do prazer atuais, elas apontam à realidade futuriça, na pessoa do político, que, em abstrato, se faz notar pelas declarações de intenção apresentadas no documento público referido.

***

À exceção da asserção optativa “Que a TV Justiça acabe” e do período seguinte, nada, de mim mesmo, de minha irrelevante personalidade privada, se extraiu para a composição deste texto pequeno. Ele compôs-se, digo-o, entretanto, em benefício de seu autor, por uma necessária que é condição sem a qual uma qualquer análise, seja de que for, não se pode fazer.

Os antigos comunistas educavam-se por um sistema filosófico no qual o tanto de cientificidade que havia neles é o tanto de realidade histórico-social que moldava a consciência de seus representantes. O pobre ou o rico e a pobreza ou a riqueza são conceitos ontológicos correlativos que, na temporalidade, se compreendem como eternos, de certa forma. A impressão de eternidade tinha toda a sugestão de uma necessidade lógica nos Oitocentos.

A ideologia woke ou new left a é a onipresença do sr. Alexandre de Moraes na opinião pública nacional.

Com efeito, se formos nos aventurar a ler a prosa deliciosa de Ortega y Gasset no entreguerras, nos prolegômenos à guerra civil espanhola, em nenhuma página das quase 2.000 que escreveu, de artigos jornalísticos, aparece a cabeça para fora do mar de um ministro de Corte Superior. Estavam como são normalmente afogados. A lanterna pretérita dele é a dos afogados.

Por que isso?

Porque o poder e a influência reais não são coisas de advogados, os quais se consideram, de acordo com Tocqueville, em “Democracia na América”, por seus cacoetes e linguajares jurídicos, que soam como algo de inteligência elevada ao povo, outros Napoleões.